Os talheres de prata do clero

Faminto e sem um tostão no bolso, Jean Valjean foi preso por furtar pão. Como punição, passou muitos anos nas galés, campos de trabalho forçados, e só então pôde comer pão – não de padaria, mas aquele um que o diabo amassou.

Jean Valjean saiu da prisão destroçado, humilhado, com ódio do mundo, sem família, sem casa. Foi acolhido na casa paroquial pelo bispo Bienvenu, que lhe deu um lugar pra dormir e comida quente que foi apreciada com talheres de prata – propriedade do sacerdote.

Desacorçoado com a vida e repleto de rancor em seu interior, Jean Valjean, na calada da noite, furta os talheres de prata de Bienvenu e foge. Apanhado pela polícia, foi levado de volta à casa paroquial. Em vez de acusá-lo e fazê-lo retornar às galés, o bispo diz aos policiais: “ele não roubou nada. Eu dei os talheres de prata para Jean Valjean. Soltem-no”.

Libertado e impactado pelo ato de amor, bondade e solidariedade do bispo Bienvenu, Jean Valjean se desvencilha do ódio pela humanidade, dá uma guinada em sua vida e passa o restante de seus dias no combate às injustiças da miséria que assolam os seres humanos.

Essa é a premissa de uma das histórias mais famosas da literatura mundial: Os Miseráveis, de Victor Hugo. Embora seja um livro muito antigo e famoso, que virou musical, filme, teatro e adaptação condensada para crianças desde que foi escrito, tem gente, incluindo dois padres da região, que ainda não conhece a história de Jean Valjean e do bispo Bienvenu.  

Uma pessoa que provavelmente nunca ouviu falar do bispo da obra de Victor Hugo é um padre pirajuense, suspeito de furtar mais de R$ 50 mil das contas de um colega padre ancião. Outro, de Santa Cruz do Rio Pardo, ao constatar que um “nóia” furtara uns cacarecos da casa paroquial (que certamente não eram talheres de prata), resolveu embarcar em seu possante e sair, veloz e furioso, em perseguição ao meliante que corria a pé pela calçada, atropelando-o, prensando-o contra um caminhão, deixando o ladrão em coma.

Ofertai a outra face aos inimigos, irmãos. Perdoai uns aos outros, não uma vez, mas 70 vezes 7! Mas se consagrado fores, atropelai os ladrõezinhos de galinha e fazei “justiça” com as próprias mãos, ou melhor, com o automóvel da diocese.  

Que tempos são esses?! Um clero da pesada! Um clero da barbárie! Um clero do horror!

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