Notícia no ar: Mauro Ceccherini e o resgate do jornalismo em Piraju

Por Maria Laura López

O jovem que estagiava na Folha de Piraju durante as férias dos cursos de História e Jornalismo nunca imaginou que se tornaria radialista. Ou ainda, que viajaria o mundo graças à profissão. Mauro Ceccherini, que hoje trabalha na Rádio Câmara, em Brasília, nasceu na vizinha Bernardino de Campos, mas desde pequeno foi criado em Piraju.

Inicialmente, o plano de Mauro era ser professor. Passou em História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em 1985, e se mudou para São Paulo. Até que no meio desse caminho, resolveu fazer Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, e acabou levando as duas faculdades ao mesmo tempo.

Como sua família ainda morava no interior, todas as férias ele ia visitar a cidade e acabou combinando de estagiar na Folha de Piraju sempre que estivesse por lá. “Nessa época, o Francisco Mendes e a Cynara eram donos do jornal, e foi uma oportunidade muito interessante. Eu cheguei a trabalhar com o falecido Washington de Almeida Melo, o Igi, que tinha muita paciência com meu texto e me ensinou bastante”, conta.

Folha de S. Paulo e retorno a Piraju

Esse arranjo funcionou durante os três primeiros anos da faculdade de Jornalismo. Já no último, em 1989, Mauro entrou em um curso de formação da Folha de São Paulo. “Foi meu primeiro trabalho fora de Piraju. Fiz o trainee e logo entrei como repórter da manhã, na área de política”, explica. O jornalista conta que chegou até a cobrir parte da eleição de 1989, a primeira com voto direto depois da ditadura militar.

“Eu cobria os candidatos chamados nanicos. Os principais ficavam com os repórteres mais experientes. Mas cheguei a fazer uma reportagem em que entrei infiltrado numa reunião na casa do ex-presidente Jânio Quadros. Na verdade, ele tinha algum recado para dar e o assessor pediu alguém da Folha. Por acaso, eu estava lá na hora e fui”, conta ele sobre a experiência.

Depois de um ano na Folha de São Paulo, o jornal precisou fazer alguns cortes e ele foi dispensado. Tendo terminado a faculdade e estando sem emprego, Mauro acabou voltando para Piraju em 1990. “Fiquei meio sem perspectiva, mas isso só durou um mês. Logo em seguida meu primo, Gervásio Pozza, que tinha acabado de fundar o jornal Observador em Piraju, me chamou para trabalhar lá”, conta ele, que acabou ajudando a estruturar o jornal na fase inicial, como repórter.

Rádios Jovem Pan e Eldorado

Só que esse trabalho também durou pouco, porque depois de dois meses Mauro recebeu sua primeira proposta de emprego numa rádio. O tímido garoto de Piraju foi para a Jovem Pan, onde trabalhou como redator por um ano, no horário da madrugada. “Até que o meu chefe mudou de emprego e ninguém avisou nada. Foi assim que, da noite pro dia, depois de um ano lá, quem passou a comandar esse horário fui eu”, lembra. Nessa época, o jornalista era responsável pelo Jornal da Manhã, um dos mais tradicionais da rádio.

Só que durante a madrugada a equipe era extremamente reduzida, e acabava que várias decisões importantes era o próprio Mauro que tomava sozinho. “Aquele episódio do ministro Rubens Ricupero, uma declaração infeliz que ele fez durante uma entrevista acabou ocasionando a queda dele, e a gente recebeu essa informação de madrugada. Já estávamos com o jornal do outro dia todo fechado e optamos por refazer voltado para essa notícia”, destaca.

Fizeram a checagem do assunto e colocaram no ar uma edição do jornal que fez bastante sucesso e foi um dos primeiros a falar sobre o acontecido. Porém, o jornalista conta que, logo após o jornal, o diretor da rádio lhe deu parabéns junto com sinais de alerta. Esse tipo de informação não poderia ser veiculada sem que ele soubesse de antemão.

Mauro também faz questão de ressaltar que, enquanto trabalhou lá, a Jovem Pan não seguia a mesma linha editorial que hoje. “Ela já era uma rádio mais conservadora, mas não como é atualmente. Acho inclusive que eu teria uma grande dificuldade em trabalhar nela dessa forma”, afirma. Mesmo que o aprendizado no período em que ficou lá tenha sido enorme, fazendo inclusive com que ele se encontrasse de vez no rádio.

Se no jornal ele gostava de política e do trabalho setorizado de editorias, na rádio ele aprendeu a falar sobre diversos assuntos. Um dia ele cobria saúde, no outro algum evento cultural, e assim foi descobrindo e conhecendo mais ainda da cidade de São Paulo. Foi inclusive nesse momento que o jornalista abriu os olhos para a economia, que não lhe encantava tanto antes, por mais que em diversos momentos andasse junto com a política.

O trabalho na Jovem Pan durou até 1995, quando a Eldorado AM, que ao contrário da FM era só de notícias, o chamou para fazer parte da equipe. “E aí eu fiquei diante de uma encruzilhada, porque eles queriam que eu fosse para a Eldorado como repórter. E eu passei anos e anos na Pan sem nunca entrar ao vivo”, lembra ele. Tímido como era, Mauro não considerava o trabalho como repórter, mas ao mesmo tempo ele sabia que na emissora que estava nunca sairia do horário ingrato em que trabalhava.

Como editor e chefe da madrugada, o jornalista resolvia tudo, então ninguém queria tirá-lo ou cobrir seu horário, por isso ele acabou optando pela Eldorado. Nos primeiros três dias, no entanto, ele trabalhou como repórter mudo pois morria de medo de entrar ao vivo.

“A primeira vez que eu entrei ao vivo foi com uma manchetinha, eram praticamente duas linhas e eu já fiquei com o coração na mão. Mas eu fui treinando e me acostumando. Acho até engraçado quando as pessoas falam ‘ah, você não nasceu para isso’, porque é só uma questão de as pessoas treinarem e se prepararem”, afirma. Na Eldorado, foi repórter aéreo durante algum tempo, dava informações sobre o trânsito percorrendo a cidade de helicóptero, período que lembra com carinho.

Hoje, Mauro já perdeu todo o medo que tinha, além de dominar melhor o ao vivo e as improvisações. Nesse processo de amadurecimento como jornalista, ele conta que seu período na Eldorado foi super importante. “Depois disso eu até recebi convite para um cargo de chefia mas recusei, porque acho que estar na reportagem é riquíssimo, cada dia em um lugar, com muitos contatos, realidades diferentes”, ressalta.

Segundo ele, nessa época a rádio ainda tinha um grande orçamento, o que lhe permitiu até fazer viagens para conduzir reportagens. “Me mandaram para cobrir a prisão da Jorgina de Freitas, na Costa Rica, e para uma cúpula do Mercosul, na época do Fernando Henrique, em Assunção, no Paraguai, como repórter de rádio”, lembra. Também enviou boletins de Israel, onde morou durante um mês, após ganhar uma bolsa da embaixada do país. Embora não houvesse tanta facilidade como hoje, tinha orçamento para realizar esse tipo de cobertura.

“Continuei como repórter e um amigo meu da Eldorado, de Brasília, resolveu tirar uma licença de um ano e me convidou para substituí-lo”, conta ele, sobre como foi parar na capital federal em 1999. No ano seguinte, seu amigo voltou para o cargo que ocupava e Mauro acabou também retornando para São Paulo, mas a estada foi curta.

Dos EUA até Brasília

Foi a vez de ele pensar em tirar uma licença e fazer um sabático, período que escolheu passar em Boston, nos Estados Unidos. “Fiquei oito meses lá e acabei trabalhando no A Notícia, um jornal voltado para a comunidade brasileira da região. Embora eu quisesse algo em que pudesse treinar mais o inglês, foi uma experiência muito interessante”, afirma. Também trabalhou como cuidador de idoso.

Quando retornou, depois de alguns meses na capital paulista, logo pegou outra vaga em Brasília, onde se fixou totalmente em 2001. Lá, casou-se com a também jornalista Mariana Monteiro, com quem tem um filho, João, hoje com 13 anos. O problema é que de tempos em tempos os veículos precisam fazer alguns cortes, assim como o que aconteceu na Folha de São Paulo no início de sua carreira. Desta vez ele ficou na Eldorado, mas o cargo de outro repórter que dividia a cobertura com ele foi excluído.

“Eu tinha que escolher com o editor da manhã o que daríamos porque não dava para falar de tudo. Lembro que eu cobria os jornais da manhã, da tarde e da noite na época. Tinha um editor para cada horário, mas só eu de repórter em Brasília, e aí acabava que eu sempre estava cansado”, lembra.

Isso durou até 2004, quando Mauro prestou concurso para a Rádio Câmara, onde trabalha até hoje. “Todo mundo que eu conhecia estava prestando o concurso, e eu fui meio que na onda, fiz a inscrição, estudei e passei. Fiquei até surpreso porque era uma prova muito concorrida”, destaca.

Ele conta que seu serviço agora é totalmente diferente, porque a rádio da Câmara dos Deputados é institucional, então ele presta um serviço público. “O que normalmente passa na mídia é o plenário, quando os deputados votam a lei, mas antes de chegar lá os projetos de lei precisam passar por comissões específicas dos seus assuntos”, explica.

Sem falar das audiências públicas e de todo o longo processo até que uma lei seja votada. O que a Rádio Câmara faz, ao contrário de outros veículos mais generalistas, é cobrir todo esse caminho até a criação de uma lei e acompanhar os acontecimentos de uma das instituições públicas mais importantes do país.

“O nosso foco aqui não é o jornalismo opinativo. Ouvimos todos os lados e damos os elementos para que o ouvinte possa formular sua própria opinião”, ressalta. Sobre o dia a dia no trabalho, Mauro conta que quando entrou era um dos mais experientes e por isso logo foi cobrir a  presidência da Câmara. Mas com o tempo, acabou assumindo novas responsabilidades e desafios.

Depois de repórter, ele ainda passou um tempo na parte de edição antes de ser escolhido como diretor da rádio. “Isso foi na época em que a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) estava fazendo uma integração dos veículos da casa, a rádio, a TV e a agência de notícias”, conta. Segundo o jornalista, isso foi importante para evitar retrabalho e construir projetos em conjunto, até porque a realidade do serviço público hoje é ter cada vez menos pessoas na equipe.

Seguiu na direção da rádio por um ano, até voltar como editor da redação e enfim chegar ao cargo que ocupa desde 2017, como editor da página on-line e das redes sociais. “Nesse momento que eu estava saindo dos cargos de chefia pensei no que seria interessante e que eu poderia fazer, aí me veio a internet que eu teria que aprender. Tenho certa resistência, mas vontade de conhecer mais”, destaca.

Hoje em dia, Mauro gosta tanto do trabalho que mesmo tendo sido oferecido outras vagas, não quer sair do cargo em que administra o Twitter e o Facebook da Rádio Câmara. “Quando você se lança na vida vão surgindo oportunidades, e eu nunca deixei de considerá-las”, afirma. Isso não quer dizer que ele aceite tudo, mas sim que sempre está aberto a novos desafios.

Apesar de ter saído de Piraju há anos, o jornalista de 55 anos lembra com carinho dos anos passados lá e das amizades que construiu. “Acho que tem uma decisão que se impõe para todo jovem de cidades pequenas, que é ficar ou sair de lá. Tem gente que sai e volta, mas eu queria conhecer outras realidades”, conclui.

Depoimento de Mauro Ceccherini sobre a família

Meu pai, Alfredo Ceccherini, era descendente de italianos, da Toscana. O sobrenome original da família era Ceccarini, mas houve erro de registro dos familiares ainda na própria Itália. Ele morreu em 2013, aos 81 anos, cem anos depois que minha avó, Olga Biribicchi, desembarcou no Porto de Santos.
Meu avô, Giuseppe, chegara um ano antes, em 1912. De Santos, tanto ela quanto meu avô seguiram para Piraju, rumo à fazenda de Joaquim Leonel de Barros – onde os dois se conheceram, se casaram e tiveram 6 filhos.
Antes de ser bancário, meu pai montava aparelhos de rádio. Ainda não havia televisão no Brasil. Aprendeu num curso por correspondência do Instituto Universal Brasileiro (que existe até hoje). Comprava as peças e montava. Nunca imaginou que seu filho caçula iria, um dia, trabalhar no rádio. Ficou conhecido em Piraju como gerente do Banco Real (que não existe mais).
Como todos os irmãos, meu pai só estudou até o quarto ano primário (atual ensino fundamental), em Sarutaiá – numa época em que a maioria das crianças iam descalças, de pé no chão, para a escola. Mas concluiu os antigos ginasial e colegial (atual ensino médio) com muito esforço, por meio do curso madureza, o equivalente a um supletivo. Muito depois, já casado, chegou a cursar faculdade de Letras, em Avaré, mas não concluiu.
Gostava de contar, com orgulho, histórias dos parentes da Itália e das malandragens que fazia quando garoto. Tinha o temperamento típico italiano: explosivo – o que o instigava a longuíssimos sermões quando fazíamos algo errado. Mas nunca recebi uma palmada, numa época em que era muito comum os pais baterem nas crianças.
Eu o tratava por “você” – e não por ”senhor”, como era usual. E o beijava no rosto antes de ir pra escola – algo raro também, na época. Gostava de assinar jornais e revistas – um luxo para quem veio de uma família de imigrantes. Foi aí que começou minha paixão pela Política e pelo Jornalismo. Discutíamos política com bastante fervor porque divergíamos em quase tudo: eu sempre à esquerda e ele, à direita, apoiando a ditadura militar, que ruía.
Minha mãe Lady Ceccherini era professora. Cursou o chamado normal (de formação de professores, junto com o atual ensino médio) na Escola Nhonhô Braga e Faculdade de Pedagogia em Avaré, num período em que a mulher geralmente não trabalhava. Dava aulas para o primeiro ano, na alfabetização – série geralmente preterida pelos outros professores. Lecionou em Tejupá e nas escolas da Vila Tibiriçá (Estação) e do Grupão (Escola Estadual Ataliba Leonel), onde se aposentou. Quando meu pai foi demitido do banco, dobrou a jornada e passou a dar aulas também na zona rural, no bairro dos Félix. Lá, varria a sala antes da aula, lecionava para 3 séries simultaneamente e distribuía a merenda. Era teimosa (talvez pelo sangue espanhol) e lutadora. Gostava muito de conversar e tinha o sorriso fácil. Contava as histórias da família e falava com carinho dos alunos e ex-alunos, que sempre reconhecia na rua. Era uma mulher bonita, mas não tinha vaidades. Morreu em 2018, aos 82 anos.
Minha mãe era descendente de espanhóis (de Granada e de Abelón, província de Zamora).
Minha bisavó, Mônica Garrote, veio da Espanha em 1906. Com dificuldade para aprender Português, sempre preferiu se comunicar na língua natal. “Que muchacho guapo”, costumava me dizer. Morreu com 96 anos, virou nome de escola no Nosso Teto, em Piraju, e deixou uma família numerosa espalhada na cidade, os Garrote. (Aliás, é preciso corrigir o texto inicial, que dizia, no fim, que eu continuava indo a Piraju, embora não tivesse parentes mais lá).
Tenho um irmão, Miguel, que é engenheiro mecânico e mora em Cordeirópolis (SP), na região de Campinas. Tem 3 filhos.
O estudo sempre foi prioridade para meu pai e minha mãe. Ambos fizeram sacrifícios e não mediram esforços para que meu irmão e eu estudássemos fora.
Minha mulher, Mariana Monteiro, também jornalista, é repórter e apresentadora da TV Câmara, emissora da Câmara dos Deputados. Ambos passamos em concurso público. Nós nos conhecemos em Brasília. Começamos a namorar quando fizemos um curso de Italiano.
Ela é filha de sociólogos pernambucanos, que trabalharam com o economista Celso Furtado na Sudene, e foram perseguidos pela ditadura militar.
Meu sogro, Plínio Monteiro Soares, chegou a ser preso em Recife e demitido sumariamente da Sudene pela ditadura.
Meu filho, João, tem 13 anos e está na oitava série. Gosta de Ciências e de Filosofia.
É um menino inteligente e sensível, que às vezes se irrita porque os pais discutem política “o tempo todo”, segundo ele.

Maria Laura Cunha López é bolsista e repórter do projeto Registro Digital da Memória e do Turismo na Estância Turística de Piraju – desenvolvimento das habilidades comunicacionais no Ensino Fundamental I e II

One thought on “Notícia no ar: Mauro Ceccherini e o resgate do jornalismo em Piraju

  • 3 de julho de 2021 em 09:12
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    Além de excelente repórter, com talento para uma apuração imparcial, firme, correta, questionadora, Mauro tem um texto fluido, gostoso. É um dos melhores profissionais que conheço, sem afetações. Pessoa maravilhosa! Justa homenagem, Luciano!

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