Para minha filha Luana Soares Muzille

Eu ando por esses dias sem filtro.
Isso acontece quando eu trombo o muro de pedra e salto para trás 7 casas de “não saber
lidar com a alteridade”.
E isso significa que estar sem filtro é deixar penetrar esse sentimento de que não será
possível mitigar qualquer dor que seja. Ou qualquer outro sentimento obtuso.
Tudo está aqui e não está.
Campo perigoso para os ansiosos demais, e/ou, os depressivos demais.
Demais é a hipérbole dos tempos.
Buraco emocional é onde cada um de nós se encontra hoje.
Olha pra dentro. Percebe teu pulso, percebe tua química corpórea. Perceba-se mais um
pouco. Percebe agora o outro novamente.
Quando me dou conta, passei meia hora conversando com o senhor aposentado que cuida
de proteger a rua onde moro. Ele, aposentado. Ele, perdeu a esposa recentemente. Ele,
sente falta daquela vida quieta do interior com vizinhança na janela e criança pulando
amarelinha na rua.
Ele, sempre tão gentil.
Ele.
Eu, sempre sem tempo, incomodada com tudo.
Volto para mim e decido que hoje é dia de replantar as flores.
Aparar os galhos, transportar as lagartas para a praça logo ali na esquina de casa.
Essa que nunca visito.
Perceber meu filho, esse outro espelho escancarado de mim, é imperativo. O mais agudo
eu.
Não deixa desinteressada qualquer das minhas raivas, das minhas confusões, das minhas
euforias. Tudo que é demais em mim também transborda nele.
Tudo que é apequenado em mim, encolhe nele.
É ele. Meu eterno retorno às plantas, insetos e sol quente
qualquer-parquinho-novo-pega-pega.
É ele, meu chá de melissa e essa foto de hoje.

* Carlos Alberto Muzille é músico, escritor e ativista ambiental.